sábado, 3 de dezembro de 2011

"Da janela vê-se o Corcovado"


16 a 21 de Agosto
Depois de já alguns quilómetros na bagagem, eis que chegamos à última parada na nossa subida pela costa brasileira, e também a um dos destinos mais aguardados, Rio de Janeiro! A opinião das pessoas que conhecemos até então, era praticamente unânime no que tocava ao Rio, "é uma cidade linda que vão adorar, mas fiquem espertos!". É, parece que na opinião dos brasileiros o Rio é tão bonito quanto perigoso, portanto, estávamos tão curiosos como cautelosos. O hostel onde ficámos era barato, sujo, desorganizado, mas com um ambiente amigável e situado numa zona privilegiada da cidade, à direita a praia de Copacabana e à esquerda a de Ipanema, ambas a 3 minutos a pé. Foram 5 dias bastante activos, as manhãs passadas na praia, as tardes a explorar a cidade, e as noites dedicadas ao samba e às caipirinhas. Na primeira noite andámos 30 minutos pela praia de Copacabana até encontrarmos um bar aberto. Todas as pessoas estavam bem vestidas e arranjadas, dava ares até de ser uma festa elitista, onde nos sentimos um pouco intrusos pelas roupas demasiado descontraídas que tínhamos vestidas. Alguns segundos depois percebi que estávamos num bar de prostitutas, mas a Carolina pensava apenas que fazia parte da cultura local as mulheres arranjarem-se tanto. Claro que depois de 40 minutos de conversa com uma das meninas, a falar sobre tudo e mais alguma coisa, as dúvidas da Carolina dissiparam-se todas. Bela noite de boas vindas!
Não perdemos tempo, no dia seguinte fomos ao Cristo Redentor. Um mau planeamento de tempo fez com que chegássemos ao topo do Corcovado já ao anoitecer, e não pudémos disfrutar da vista diurna. Contudo, não deixava de ser lindo demais. Dá a sensação de estarmos no topo do mundo, ficámos a contemplar a vista até à hora de fechar, maravilhoso! De noite fomos a uma discoteca aconselhada pelo staff do hostel. Durante o tempo de espera na fila os empregados iam trazendo bandejas cheias de caipirinhas, provavelmente seria uma boa prática a adoptar pelo staff do Jamaica!Um facto curioso, para entrar tivemos de fornecer os nossos dados, que foram introduzidos num computador. Lá dentro tocava um grupo de samba, estava ao rubro!
Depois de algumas horas na cama, acordámos para disfrutar ainda da praia antes de nos dirigirmos para o centro histórico. Subimos no bondinho de Santa Teresa e depois caminhámos até à Lapa. Durante o caminho conhecemos um casal de brasileiros que nos levaram a provar uma receita especial de milho e com quem passeámos até à noite. Até nos convidaram para ir a uma discoteca perto de sua casa, mas devido à distância decidimos ficar noutra próximo do nosso hostel.
As Favelas
No nosso quarto dia comprámos uma tour para visitar a favela Rocinha, a maior da América Latina. Nesta manhã, o guia falou-nos sobre a história das favelas, como é que surgiram, assim como as suas regras e modo de vida. Apesar de nos ter ajudado a perceber a realidade que lá se vive, sentimos que não tinhamos estado no coração da favela, e que havia muito que tinha ficado por ver e saber.


Da parte da tarde subimos até ao morro dos Dois Irmãos, onde havia uma passagem para a favela Chácara do Céu, que o polícia que encontrámos uns metros atrás nos aconselhou a não atravessar. Contudo a curiosidade foi maior, e com muito cuidado e respeito, lá fomos perguntando aos moradores se era seguro andar por lá, ao que todos responderam que sim, fazendo-nos sentir bem-vindos ao seu "bairro". Todos falavam muito orgulhosamente do campo de futebol que tinha sido construído há pouco tempo. Durante a tour da manhã o guia clarificou-nos que para tirar fotos nas favelas convem conhecê-las bem, para sabermos onde podemos, e não podemos tirar. Visto que ali todos os moradores nos tinham dito que não havia problema em fotografar, quando saímos da Chácara do Céu, tirei uma foto ampla à favela vista de baixo. Longe de mim imaginar que a foto apanharia 4 rapazinhos armados. Assim que o flash acabou de disparar ouço-os a orderarem-me severamente que não saísse dali. Congelámos os dois, enquanto um deles desceu rapidamente as escadas e me tirou a máquina da mão. À medida que ia subindo as escadas disse que a máquina era minha, e que só ia apagar a foto. Passados uns dois minutos eles ainda não tinham conseguido apagar a foto e chamaram-me para ir lá acima apagar. Novamente veio a sensação de "vida a andar para trás". Enquanto a Carolina ficou cá em baixo, houve um senhor que lhe disse que os rapazes não me iam fazer nada, que apenas queriam apagar a foto. No entanto, quando lá chego acima vejo um deles a carregar a arma, enquanto outro me passa a máquina para a mão. Disseram-me que podia ficar calmo, que não se ia passar nada. Depois de apagar a foto à frente deles e de lhes mostrar que não tinha tirado mais nenhuma,  deixaram-me descer. É, tirar foto em favela a pessoas armadas é por a pata na poça, eles pensam que se tratam de jornalistas.
Depois de nos recompormos, descemos até uma praia bem bonita que ali havia, e aí ficámos durante uma hora deitados na areia. Mais calmos, e reconhecendo que o erro que originou o incidente anterior foi nosso, decidimos dirigir-nos à favela Vidigal, situada ali perto. Aqui sim, pudemos apreciar com mais calma o ambiente que se vive numa favela, embora não generalizando, pois nem todas são tão calmas quanto esta. Desde o ponto mais baixo até ao mais alto existe uma estrada principal, onde o meio de transporte mais frequente são umas motos que custam muito pouco, e que os residentes apanham diariamente para se deslocarem na favela. Os motoqueiros perguntaram se queríamos subir de mota, mas como sempre, optámos por subir caminhando. À medida que íamos subindo notávamos que as pessoas nos olhavam com um ar diferente, não de desdém, mas talvez surpreendidas por verem duas pessoas de fora a passearem por ali. Mais uma vez fomos perguntando aos moradores se não havia problemas em andar ali, e se era seguro continuar a subir, ao que todos nos responderam muito simpaticamente que sim. Tenho de admitir, as favelas não são bem aquilo que pensávamos, e que provavelmente mais pessoas pensam. Nas favelas também há supermercados grandes (e felizmente bem mais baratos do que os da zona onde estávamos, aproveitámos para comprar alguma comida), há lojas de internet, cafés, bares, e ao contrário do que se pensa, a maior parte das pessoas não está ligada ao negócio da droga. Quando finalmente chegámos ao topo, já ao anoitecer, estávamos parados a admirar a paisagem que os residentes do topo dispõem, à esquerda o morro dos Dois Irmãos e em frente a praia de Ipanema, quando um senhor perguntou se queríamos subir para o segundo andar da casa dele, onde a vista era bem mais ampla.
Subimos a escada de madeira que ele nos estendeu e cumprimentámo-lo. Estava de calções e espátula na mão, a trabalhar com cimento. Ele próprio tinha construído o andar de baixo e estava agora a ampliar a casa, fazendo um segundo andar. Devia ser o morador com a vista mais previligiada da favela, via-se realmente tudo, até os moços que estavam ligeiramente mais abaixo com metralhadoras, cuja função é vigiarem se vem alguma rusga da polícia. Depois de alguns minutos à conversa com o senhor Marcos, ficámos a saber que ele trabalhava num ginásio em Ipanema, que as casas ali estão isentas de impostos e que a polícia vem semanalmente receber o dinheiro para avisar quando vêm rusgas. Depois de nos despedirmos, começámos a descer, mas agora por outro caminho, que foi dar justamente ao lugar onde estavam os rapazes que vigiavam a favela. Era um bar, que tinha sido comprado por um estrangeiro. O rapaz do bar perguntou-nos se queríamos sentar-nos um pouco na esplanada, ao que respondemos, depois de hesitar um pouco, pensando nos miúdos que estavam a dois metros com metralhadoras, que sim. Já se nos tinha acabado o dinheiro, pelo que tivemos que regressar a pé para o hostel, cerca de uma hora e meia a reflectir sobre tudo o que se tinha passado neste dia. Depois de chegarmos e comermos, a Carolina foi descansar um pouco, para depois irmos sair. Entretanto, fiquei a falar com algumas pessoas que estavam no hostel, sobre o dia que tínhamos passado, e tudo mais. A conversa estendeu-se por toda a noite, e portanto, não fui acordar a Carolina, ficámos pelo hostel nessa noite.
Último dia no Rio. Para este dia, estava planeado ambos subirmos o morro Pão de Açúcar, eu ia fazer escalada e a Carolina ia de teleférico. Nessa tarde separámo-nos. Eu acabei por me perder do rapaz que vinha comigo fazer a escalada e acabei por fazer uma caminhada num parque lá perto. Cheguei ao hostel por volta das 19h00 e a Carolina ainda não tinha chegado. Quando finalmente chegou, digiriu-se a mim e deu-me um abraço, algo parecia ter-se passado. Depois de 4 dias, 4 noites, caminhando tranquilos nas ruas do Rio de Janeiro, sem qualquer indício de perigo, eis que no nosso quinto e último dia, a Carolina foi assaltada em plena praia de Copacabana, supostamente uma das zonas seguras da cidade, às 15h da tarde, por dois miúdos, que lhe fizeram dois cortes acima da sobrancelha, com um bocado de vidro. Levaram 50 reais. A imagem que se começava a criar de que afinal o Rio não era "assim tão perigoso como dizem" desvaneceu-se um bocado. De noite fomos sair para a Lapa, mas umas salsichas estragadas ingeridas ao almoço, acabaram por nos estragar a nossa última noite no Rio... voltámos para o hostel, onde passei o resto da noite com vómitos e etc. Esta foi uma das fortes, de manhã estava completamente fraco, quase incapaz de andar, pois tudo o que comia era imediadamente expulso pelo estômago, apenas ganhei coragem para me levantar porque tínhamos um vôo comprado. Chamámos um táxi para o aeroporto, e com algum custo, lá chegámos, com a Carolina a carregar ambas as malas e eu quase a rastejar. Não foi a despedida que idealizámos desta magnífica cidade, que nos deixou marcas e um enorme desejo de regresso, mas nem tudo é perfeito!




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