terça-feira, 8 de novembro de 2011

Buenos Aires


27 de Julho
Quando finalmente o Vítor percebeu que não estávamos mais em Lisboa, deu um salto da cama e foi a correr para o banho. Foi um óptimo primeiro dia, em que percorremos as ruas de Buenos Aires sem qualquer destino, coisa que eu adoro fazer para sentir os cheiros, ver as pessoas e as luzes das cidades que ainda não conheço. Desde logo percebemos que Buenos Aires é um lugar de contrastes, onde se vê todo o tipo de gentes e culturas, onde as arquitecturas antigas se misturam com grandes painéis virtuais de publicidade e onde muitas ruas têm cerca de seis faixas de trânsito em cada sentido! Deliciámo-nos também com a simpatia de todos os que encontrámos, e concluímos que, por certo, tínhamos chegado à terra da boa-fé. Na noite de hoje conhecemos ainda dois compositores novos, no Teatro Colón. Seguindo as pistas que o meu pai me deu, reservei ainda em Portugal dois bilhetes e resolvi fazer a surpresa de aniversário ao Vítor. O teatro é magnífico, com seis andares de camarotes de veludo vermelho e madeira dourada. Depois de mais um passeio regressamos ao nosso hostel, marcados por um sentimento de êxtase e entusiasmo. Afinal de contas, estamos do outro lado do Oceano, a dormir numa cidade fantástica da qual ainda tanto temos para conhecer. Nem parece real.
               


1 de Agosto


Conhecemos a cidade de Buenos Aires da melhor maneira que se pode conhecer qualquer lugar, caminhando. Partindo do bairro de San Telmo, e seguindo o mapa, visitámos tanto zonas pobres como o bairro La Boca, onde as casas são coloridas e onde o comércio de rua abunda, como zonas ricas, das quais é um exemplo Puerto Madero onde podemos disfrutar da bela paisagem dos altos edifícios reflectidos na água da marina, ambas de igual encanto. Nesta última tivemos a oportunidade de saborear uma carne deliciosa no restaurante Sorrento, recomendado pelo pai da Carolina. Passados uns dias, apercebo-me de uma falha nos preparativos para esta viagem, curso básico de espanhol! É verdade, pensei que seria mais fácil. De cada frase entendo vinte por cento do que as pessoas dizem, o que vale é que a Carolina entende o suficiente para nos desenrascarmos! Enfim, isto há-de melhorar…
               

Como na maioria dos países que passaram por este tipo de regime, a ditadura na Argentina deixou marcas. Marcas essas que o povo ainda hoje faz questão de não esquecer. Todos os Domingos as mães dos 30 000 desaparecidos juntam-se na Plaza de Mayo para chorarem a perda dos seus filhos. Está em construção um museu sobre a ditadura no local de uma antiga prisão, onde muitas pessoas desapareceram.
                Finalmente, o que mais nos encantou em Buenos Aires, o tango. É algo mágico, indiscritível, tem que ser visto com os próprios olhos. Nunca havemos de esquecer a noite em que fomos à milonga “A Catedral”, onde todas as pessoas, desde velhos a novos, se levantavam das cadeiras para dançarem o tango, ao som da banda. Fenomenal, como é possível existir tanta telepatia, uma troca de pernas e um encaixe tão perfeito? Está-lhes no sangue! É incrível que uma dança possa transmitir tanta sedução e respeito ao mesmo tempo. É possível sentir a tensão que se cria, e que de seguida se alivia, uma mistura de amargo e doce, tão nítido que quase conseguimos imaginar uma história.


Algumas curiosidades. Na Argentina o Ensino Superior público não é pago, os transportes públicos são financiados pelo estado e por isso bastante baratos (1 viagem de metro custa 20 cêntimos). Num Sábado véspera de eleições em que fomos sair à noite, a zona de Palermo, supostamente com vida nocturna activa, estava praticamente morta. Isto porque o dia seguinte era de eleições e assim sendo a vende de álcool é proibida.
Despedimo-nos de Buenos Aires com um passeio pela bonita zona verde da Recoleta. Das 15 viagens de metro que comprámos apenas utilizámos 6, deixámos as restantes para o staff do nosso hostel. Rumámos então ao terminal do BuqueBus, para fazer a nossa primeira viagem no continente sul americano, que por sinal, seria uma travessia ao rio Plata, rumo ao Uruguai, Colónia Sacramento.





Descolagem


26 de Julho de 2011
A nossa viagem começou hoje! Depois das despedidas no aeroporto de Lisboa, apanhámos o avião para Madrid, onde uma surpresa particularmente inesperada nos aguardava. Depois de muitas filas e da ajuda de uma senhora brasileira, descobrimos que o voo para Buenos Aires tinha sido adiado, mas que teríamos direito a estadia, refeições e transportes até ao dia seguinte. Mas a melhor parte ainda não tinha chegado: recebemos uma indemnização de 600 € cada um! Nunca tinha sabido tão bem ter um voo cancelado!
Chegámos já tarde ao hotel em Madrid, onde aproveitámos para jantar e conhecer várias pessoas que vivem em Buenos Aires e nos foram dando imensas dicas e conselhos sobre a cidade!
Na manhã seguinte fomos passear por Madrid, no parque del retiro. É uma área enorme, com muita vegetação, estátuas, músicos, e até um lago com barquinhos onde podíamos andar.
O resto do dia foi ocupado com a deslocação para o aeroporto e o voo para Buenos Aires. Foram quase 12h, muito demoradas por sinal. Aproveitámos para ver dois filmes e para descansar um pouco, apesar da falta de posição já ser uma constante passadas algumas horas.
Chegámos a Buenos Aires por volta das 6h da manhã, e apanhámos um autocarro e um táxi até conseguir chegar ao hostel onde vamos ficar. É um edifício todo catita, situado no bairro do tango, San Telmo, pensado para jovens como nós, que não têm dinheiro mas se querem divertir à grande (:
Vou agora tentar tirar o Vitor da cama, para irmos explorar a cidade!

Um beijinho

Adeus


Penso que foi na semana antes da partida, que toda a família e amigos se aperceberam que eu ia estar mesmo fora durante dois meses, pois o tema de conversa era maioritariamente um, a viagem! E assim foi, a última semana em Portugal foi passada única e exclusivamente na companhia da família e amigos. Fiz tudo para não falhar nenhuma refeição em família (penso que consegui) assim como os respectivos cafés pós-refeição. Curiosamente o meu aniversário calhou nessa mesma semana, o que serviu de um belo pretexto para juntar as pessoas mais queridas, e poder dar a todos um forte abraço de despedida. No Sábado seguinte ainda combinei uma noite de copos, a despedida oficial do Bairro Alto!
O aeroporto, o momento em que cai a ficha. O último contacto com pais, irmãos e amigos. Adeus e até logo.

Vitor


O Telmo e a Joana tinham medo que eu não voltasse, e para as pessoas especiais o tempo à distância passa mais devagar. Então passámos todo o tempo juntos que conseguimos, na semana que antecedeu a viagem. Eles até ficaram de nariz torcido quando eu fui a Lisboa, para os anos do Vitor, mas compreenderam =). No dia 24 foram as despedidas da família, e da casa nas Caldas: abraçar bem o pai e a avó e prometer muitos mails a contar as novidades todas. Curiosamente, lembro-me do meu pai dizer também que conhecia bem a América do Sul, e que achava que eu não ia voltar. Eu ri-me, com a inocência de quem achava que não voltar era coisa de gente doida. Dia 25 o Telmo e a Joana foram comigo para Lisboa, no Pegeot prateado em que já vivemos tantas aventuras. Foi um dia maravilhoso, que culminou no Bairro Alto. Não me vou esquecer de muitas das coisas que me disseram nessa noite, obrigada a todos por terem ido. No dia seguinte almoçámos com o Zulu no restaurante Japonês, e o meu padrinho juntou-se a nós no aeroporto para um último abraço. Muita gente me pediu para tomar bem conta do Vitor… Mesmo antes de partir, a Joana e o Telmo pediram-me que tomasse, também, bem conta de mim. E eu sorri e chorei baixinho, queria tê-los posto no meu bolso.

Carolina

Preparativos II


Começou então, a contagem decrescente. À medida que ia decrescendo o número de dias, ia crescendo o entusiasmo. Nem todos os dias nos lembrávamos da viagem, mas quando nos vinha à cabeça, dava uma “coisa“ cá dentro!
Chegou então o mês de Julho, final dos exames, todas as condições favoráveis para ultimar os preparativos. Era necessário, então, elaborar uma lista de coisas a levar. Achámos por bem não complicar nem desenvolver muito esta parte, e apontar apenas o essencial, pois seriam quase dois meses a carregar com as malas. A lista resumiu-se então a:
-farmácia (paracetamol, ultralevur, imódiun, antibiótico, comprimidos para a malária, anti-gripais, vomidrin, pastilhas para garganta, repelente);
-utensílios de cozinha (panela, frigideira, talheres, pratos, canecas, taças, pano da loiça);
-“estojo de casa-de-banho”;
- papelada (embaixadas e consulados, companhias de autocarros, fotocópias de documentos);
- livros;
-portátil;
-filmes;
- música.
Outros assuntos a tratar foram :
- a consulta do viajante, no Hospital Curry Cabral, onde referimos os países e suas respectivas zonas que iríamos visitar. Com base nisso, foram-nos receitados alguns medicamentos e as vacinas contra a febre amarela (100€), febre tifóide (50€) e Hepatite A (16€). Esta consulta deve ser marcada com alguma antecedência, de preferência um mês antes.
- ir ao banco confirmar que os nossos cartões funcionavam em todos os países, ao que nos responderam afirmativamente, todos têm rede visa. Aconselharam-nos no entanto a levar dois cartões, no casa de algum se perder.
- averiguar também se a rede TMN cobria os locais de destino. Descobrimos que não, e que para casos deste tipo a Vodafone tem muito mais parcerias a nível mundial, pelo que optei por comprar um cartão Vodafone.
Dois dias antes da partida começámos a preparar o mochilão. Muitos foram os telefonemas de 15 segundos a perguntar “tens isto?” “já puseste isto?” “olha, não te esqueças disto”.
                        Mochilão feito, só faltava o mais difícil, a despedida.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Preparativos


Depois de muitos e-mails trocados durante a minha estadia em Paris, com propostas de percursos, meios de transporte e afins, chegou o último dia do ano, que foi curiosamente o primeiro em que a nossa viagem começou a ganhar forma. Antes de irmos ver o Rui Veloso tocar, já tínhamos planeado as sete semanas que íamos passar na América do Sul. Além dos lugares que tínhamos a certeza que íamos visitar, como por exemplo, Buenos Aires, Florianópolis, Santos, Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu, Machu Picchu etc fizemos uma breve pesquisa na net sobre outros lugares interessantes, que possivelmente poderiam fazer parte do nosso roteiro, e estimámos o tempo que passaríamos em cada um. Porém, esta estimativa serviria apenas como um guia, pois na prática sabíamos que os melhores lugares nos seriam indicados pelos nativos que conheceríamos, e que ajustaríamos o tempo conforme quiséssemos. Quanto às datas de ida e regresso, tínhamos alguma flexibilidade, e decidimos adaptar-nos aos dias em que os voos estariam mais baratos. Quanto à estimativa dos custos, a ideia inicial de fazer o percurso com autocaravana foi por água abaixo assim que recebemos um orçamento de 15 mil euros para aluguer durante dois meses. Pesquisámos então os custos dos autocarros em sites de companhias rodoviárias, que daria um total de 370€, assim como os tempos de viagem, de modo a sabermos o tempo que “gastaríamos” apenas em deslocações. Devido ao nosso orçamento apertado e tendo em conta que o estilo de vida no continente sul americano seria ligeiramente mais barato, previmos uma despesa diária de 10 euros para gastos pessoais (comidas e afins), e  12.5€ para dormir. O percurso inicial, que o Vitor inicialmente desenhou a começar na Patagónia e a acabar em Cuba, teve de ser encurtado devido a uma suposta escassez de tempo. O início da viagem mantinha-se na Patagónia, e depois de alguma pesquisa de voos de regresso da Colômbia, Peru e Equador, decidimos que a parada final seria em Quito, por ser o mais barato.
Nos três primeiros meses do ano investigámos quase diariamente os preços dos voos, e apesar de nos custar um pouco, decidimos mudar a nossa ida para Buenos Aires, por ser um destino mais barato que a Patagónia e para podermos fazer uma viagem mais desafogada em termos de tempo. O voo para Buenos Aires custava cerca de 690€ e o de Quito para Lisboa aproximadamente 500€, o que daria um total de 1100€. Juntando os 370€ dos autocarros, 10€ de gastos diários, e 12.5€ de dormidas, o total para os 57 dias seria 2752 €. O único custo real foi o do voo, mais à frente veremos o que correu bem e mal em termos de gastos.
 E assim, quase sem darmos conta, chegou o dia 27 de Abril, no qual comprámos as passagens para a nossa aventura. Eu estava já a cair de sono quando o Vitor me disse que já tínhamos o dinheiro necessário todo reunido na mesma conta para avançar com a compra. É claro que o sono passou logo, e com muito entusiasmo recebemos a confirmação da nossa ida para Buenos Aires a 26 de Julho e do nosso regresso de Quito a 20 de Setembro. Era real, ia mesmo acontecer!         

Agosto, 2008

A Carolina estava de partida para Paris por 6 meses, e para comemorar, fizemos um jantar de despedida. Foi curiosamente a primeira vez que comi japonês e bebi saké, em Alvalade, estava delicioso. Na altura do adeus, à porta do metro de Entrecampos, surgiu como tema de conversa as próximas férias de verão. Eu que já andava com a viagem fisgada e à procura de boa companhia, virei-me para a Carolina e disse “Queres ir à América do Sul?”, ao que ela responde com naturalidade e alegria “ Sim! Até já tinha pensado imensas vezes em ir lá mas nunca tive oportunidade.” Hoje sei que ela na altura não acreditou de facto que isto fosse acontecer, no entanto, quando voltou cá pelo Natal percebeu que isto era mais real do que pensava.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

102 dias


Neste espaço de tempo visitámos nove países no continente sul americano, onde tivemos a oportunidade de conhecer uma grande diversidade de lugares, desde florestas a desertos, praias a vulcões, cidades mais populosas que Portugal e aldeias mais pequenas que o meu querido Bairro de São Jorge, enfrentámos temperaturas desde os -18ºC até aos 40ºC, mergulhámos até 12 metros de profundidade no Pacífico e acampámos a 4300 metros de altura algures nos Andes, gastámos 100 euros numa refeição, como também 3 dólares, dormimos por 10 euros,  por 2 euros, e de graça, dormimos em quartos com 1 e com 24 camas, em terminais de aeroporto, corporações de bombeiros, autocarros e em tendas, já andámos com 1500 euros na mala e já estivemos sem dinheiro, tivemos momentos de pura felicidade e momentos difíceis, vimos dançar tango, samba e salsa, já falámos português, espanhol, francês e inglês, conhecemos pessoas de todo o mundo, gente boa e gente má, andámos de parapente e de bicicleta, viajámos de avião, barco, autocarro, comboio, e a pé. 

Contudo, a história começa bem antes…

            Da minha parte, não foram precisas mais de 4 semanas engravatado, passadas em frente a um computador 8 horas por dia, para perceber que não era aquilo que queria para a minha vida. Quando uma pessoa vive insatisfeita, tem duas escolhas, ou se resigna e se habitua, ou procura caminhos diferentes que a possam levar à realização pessoal, o que muitas vezes implica sair da zona de conforto. Aconteceu comigo, passados 3 meses de primeiro emprego, automaticamente a cabeça começou a procurar caminhos que me preenchessem. Das várias ideias que surgiram, a viagem foi uma delas, apontada de imediato ao continente sul Americano. Não há uma explicação muito racional, creio que foi uma escolha tão espontânea como inconsciente. Agora que penso, talvez a proximidade com a cultura latina tenha sido um factor importante para primeira viagem, assim como o fascínio por toda a música deste continente. Acima de tudo, queria viver algo que nunca antes tinha vivido, algo desconhecido, depender de mim durante 2 meses num continente totalmente estranho, conhecer novas culturas e modos de vida, viver, crescer.

Vitor

                Costumo ser uma pessoa muito complicada, que procura razões, explicações, teorias, possibilidades. No entanto, aqui foi fácil: queria ir, viajar. Queria conhecer, sair do ninho, atirar-me contra o mundo e ver o que mudava cá dentro e o que ficava imóvel. Nunca tinha imaginado a grandeza de tudo o que ia descobrir. 

Carolina